Direção: André Novais Oliveira
Elenco: Grace Passô,Russo Apr,Rejane Faria
Em cartaz no Belas Artes – link ao final
Esse filme é o mais novo, premiado e excelente filme de André Novais, de cenas atrativas e existenciais, e conteúdos inovadores. Eu ouvia as pessoas rindo na sala e pensava: mesmo rindo desmedidamente, é difícil ver esse filme sem pensar, sem refletir. No significado de coisas do cotidiano de gente desfavorecida em capital. Há coisas mais capitais no filme, como a superação, a amizade, a adaptação, a autonomia da protagonista, representada pela cena final, em que dirige sem habilitação e deixa os amigos para trás, se divertindo muito. São eles que empurram o carro e a vida da motorista, e assim possibilitam a ela momentos de distração e respiro em sua vida. Que milagre é ver um ser humano se interessando pelo outro por coisas que não sejam tão certas e estúpidas.
Cada corte de cena, qualquer que seja a duração do eliminado e do aproveitado, experimentei como uma economia robusta, e uma linguagem de ternura. Assim também os diálogos, através de expressões palpáveis de tão verossímeis. Atores tarimbados e estreantes, por alguma mágica na preparação para as gravações, tiveram desempenho incrível.
O humor do filme é uma prova de que ele pulsa intensamente, mesmo sendo lento. A perspectiva da dificuldade da vida para pessoas desprovidas de heranças e rendas mínimas não é atenuada com tal humor, porque tudo é muito autêntico, e tal veracidade pode mesmo fazer com que pessoas favorecidas invejem a amizade daquelas pessoas “humildes”, com que a própria felicidade daquelas pessoas pesem em sua consciência e os leve, nem que pelo instante de um raio, a pensar que uma melhor distribuição de renda poderia torná-los mais parecidos com aquelas pessoas, mais solidários, mais vivos.
Quanto à opinião de pessoas mais vulneráveis economicamente, seria bom perguntar a elas, e não ter a pretensão de assimilá-la. Mas imagino que elas ficariam suavemente inspirados de ver tal filme, com a tamanha dignidade da protagonista, e a fidelidade das representações do mundo real e das possibilidades e conquistas mínimas – mas significativas e heroicas – de percorrê-lo a contento, a saber, com encontros, aceitação e luta.
O filme é como um prato frugal, extremamente saudável, e por isso mesmo revolucionário, e muito saboroso, com contrastes maravilhosos de nuances mais cruas e outras transmutadas pelo fogo. Essas percepções acima só me fazem pensar que os arquitetos do filme são pessoas que foram longe na vida, na consciência, nos erros e acertos. Esse filme é um grande acerto, costurado com os retalhos dos erros da humanidade.