Minha experiência com o filme “Ressurreição”

Filme de Kevin Reynolds – 2016 – Com Joseph Fiennes como Clávius

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Trata-se da história de Clávius, um homem sensível endurecido pelo seu trabalho e ambição – tribuno (comandante) romano na Judeia – e de seu encontro com Cristo. Uma narrativa audiovisual cativante como as narrativas diante de fogueiras a milhares de anos atrás. A escolha de Clávius como protagonista, representado brilhantemente, convida a pensar sobre qual a atitude se pode ou se deve ter diante, ou melhor, na presença de Cristo. Um caminho promissor, já que Yeshua (Jesus) é uma entidade mais misteriosa e insondável. Esse mesmo mistério está presente no filme: a investigação do tribuno para achar o corpo de Yeshua, e com isso evitar que os seguidores de Cristo ameacem a “ordem romana”, vai gradativamente intrigando o homem e gerando nele outra investigação, pela verdade acerca de quem seria o “tal Messias”, e depois sobre como ele poderia ter ressuscitado.

À medida que vai inquirindo as pessoas – nisso também se mostra outras reações à presença de Cristo – o tribuno vai ficando realmente perplexo, especialmente com os seguidores, pois ousam testemunhar com amor sobre o Messias e até desafiá-lo em seu nome. O uso habilidoso de um elemento simples e essencial ao cinema como a luz, entrando na sala enquanto o oficial faz perguntas a um discípulo prenuncia o encontro com a figura cosmicamente chave de Yeshua. Bartolomeu é uma figura maravilhosa e super divertida. Ele diz a Clávius que os cristãos não representam ameaça para o Império Romano. O sorriso de Clávius quando Bartolomeu se ajoelha e se oferece para ser sacrificado mostra a simpatia deste e a capacidade de empatia daquele. Mas o tribuno está resoluto e tenta fazê-lo entregar seus colegas explicando como seria terrível ser crucificado. Bartolomeu parece demonstrar medo e fraqueza. Levanta-se e caminha até o oficial acabrunhado e perturbado. Na verdade alguma coisa forte e viva parecia mexer dentro dele, alguma fonte de água jorrou, em meio a toda aquela intimidação. A pergunta era onde estariam os discípulos. No ouvido de Clávius ele diz: “Estão por toda parte”, e solta uma gargalhada. Seu espírito agora estava mais do que apenas espirituoso, estava explodindo em folia espiritual, por ter conseguido, sem muita autoconsciência, dar voz à coragem e calar o medo.

Os fariseus são retratados obtusos como Jesus os via: incapazes de acreditar na luz que se oferece ao povo de que supostamente cuidava, recalcitrantes, preferindo sua influência mesquinha ao verdadeiro reino de Deus. Irritados com o relato dos guardas sobre tal luz, que se manifestara em seu máximo resplendor na ressurreição de Cristo, inventam a história de que seus discípulos teriam roubado o corpo para alegar uma falsa ressurreição. Seria bom se tivéssemos hoje a determinação que Clávius teve em obter a verdade, e, como ele descobriu que os fariseus mentiam, desmascarar os líderes religiosos. Os fariseus de hoje se multiplicam e estão presentes sempre que se prega um “evangelho” capenga, doente, fundamentalista. E é impressionante como conseguem enganar!

A atitude crítica de Clávius, tão necessária hoje, vai conduzir, paradoxalmente, à veracidade da hipótese mais esdrúxula: a ressurreição. Ainda que não estivesse totalmente preparado para ela. O suspense quando o oficial vê Jesus ressurreto entre os discípulos (ele só o havia visto morto na cruz) é intenso e acompanhado devidamente pelo ator, em sua expressão de assombro e perplexidade. Atordoado, ele entra e se assenta, subitamente impotente e miserável. Jesus lhe diz: “Não há inimigos aqui.” O som, psicodélico, se acirra, e Jesus desaparece, dando o benefício da dúvida: era alucinação? O espanto dos discípulos com o desaparecimento se junta ao do oficial para aliviar um pouco ao menos essa inquietação.

Então Clávius abandona seu posto e segue os chamados cristãos que se dirigem à Galiléia, onde supostamente Jesus apareceria de novo. De longe. Até que Pedro se aproxima dele para oferecer água e, sem saber que era o líder do grupo que aproximava, Clávius fere-lhe a perna com sua espada. Mais uma vez aparece o humor entre os discípulos, como um bálsamo para a sisudez dos pobres cristãos reducionistas. Ao pronunciar a parte do ‘’Pai Nosso” que diz “livrai-nos do mal”, Pedro aponta com a cabeça na direção de Clávius, e os camaradas riem, assim como os espectadores que se permitirem tal descontração.

Clávius faz várias perguntas a Pedro. Que diz mais ou menos: “não sei, não sei, não sei. Também estamos perplexos. Somos seguidores. Seguimos para descobrir as respostas.” É uma fala grandiosa do filme. Mais uma vez o reflexo de Cristo sobre outras pessoas indica a transformação gerada pelo contato com o Messias, e o nascimento do desejo espiritual, que tem um longo caminho a percorrer, e que se vale da humildade e da disponibilidade para aprender. E a questão da fé, de seguir instintos que se acredita possam levar a algo diferente da coleção de coisas sem sentido da vida na Terra, ainda que não sejam justificados pela razão mais fácil, pragmática e grave. A viagem para a Galiléia e para o encontro com Jesus mostra isso: Cristo está conosco; às vezes parece se ausentar, mas sempre para nos esperar mais adiante, nos desafiando a mudar de lugar, a despistarmo-nos do nosso ego, a evoluir, a voltar ao momento em que o Criador se faz mais plenamente presente.

A sequência da perseguição, quando os romanos estão próximos, é muito boa e (in)tensa, mostrando ao mesmo tempo os soldados correndo ao fundo e os “ascetas” correndo agachados, mais próximos da câmera. É o oficial que chama a atenção de um Pedro abnegado à morte: “vocês devem temer a morte do que trazem consigo.” E ele também fala isso para o seu pupilo, no momento crítico em que ele os alcança. Afrontado pelo ensinamento que dera ao rapaz – nunca ter misericórdia (que pensava que um dia lhe traria uma vida tranqüila) – Clávius reconhece o erro do ensinamento e pede a Lucius que deixasse os homens seguirem. É a primeira vez que o oficial tem prazer em ensinar algo a Lucius, ensinamento que precisou de sua força para ser passado. Antes disso ele parecia pensar que o destino de um oficial é bastante incerto, que o mundo era cruel e que parecia ridícula a empolgação do jovem.

Eis que os portadores do evangelho chegam à praia em que Jesus primeiro os chamara – e em que eles tiveram o desprendimento de segui-lo. Com fome, resolvem pescar. Tentam até tarde da noite sem sucesso, e depois a maioria deles dorme. Um homem, da praia, sugere que eles lancem a rede do lado direito do barco. “É claro, por que não pensamos nisso?” é um pensamento irônico que a expressão deles parece demonstrar. De repente, porém, outro pensamento atinge a mente de Pedro. Ele agora está pilhado, acordando todos. Sob seu comando, o pessoal joga a rede do lado direito. Ela rapidamente fica repleta de peixes. O que podemos aprender com isso? Às vezes a melhor voz que podemos ouvir dentro de nós nos parece tolice ou loucura. E, às vezes, as respostas e soluções só aparecem depois que nos esforçamos e falhamos, e quando nos resignamos. Porque aprender e ter o sentimento certo é mais importante do que ter êxito aparente. A fé pode parecer uma tolice. Ainda assim, é mais inteligente do que as tolices mundanas, porque consiste na prospecção de jazidas desconhecidas (caminhos do espírito), para não continuar fazendo a mesma coisa esperando resultados diferentes.

Há muitas outras coisas relevantes nesse belo filme, que não falarei agora para não estender o post. Apenas algumas palavras sobre Yeshua. O sorriso dos olhos do ator que o representou é interessante: faz-nos pensar em quão intensos são os prazeres que um ser como Cristo pode obter em uma simples conversa com seus amigos e seguidores. Diversão de um ser realizado e sábio, diferente daquela do escarnecedor desesperado e ignorante. Outro momento significativo é aquele em que, de baixo para cima, mostra-se Yeshua contemplando o céu estrelado. Que fluxo de graça e bem-aventurança estaria acontecendo entre ele e Deus naquele momento, sendo a criação meio e ambiente de tal diálogo? As expressões do tribuno diante dele mostra como podemos, e talvez devêssemos, ficar perdidos diante da magnitude e da santidade daquele homem-Deus.

Finalmente, Jesus se despede, fundindo-se novamente com a luz do sol. Cristo é o sol eterno que nos permite existir no plano do espírito e da verdade, nessa vida e pela eternidade.

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